Setembro 23, 2025
Tempo de Leitura: 5 minutos
Hoje quero partilhar consigo como transformar a resistência ao Centro de Dia numa aceitação gradual, mesmo quando o familiar tem dito “não” de forma categórica há meses.
Este é um momento que desgasta muitas famílias.
E é necessário perceber-se efetivamente se é um contexto que faz sentido na sua família e/ou até de acordo com a personalidade do vosso familiar.
Se nunca gostou de conviver, o centro de dia pode não ser uma possibilidade, à primeira vista, agradável (embora pudesse ser muito benéfica).
Quando uma pessoa com demência diz “não vou para o Centro de Dia, isso é só velhos”, pode parecer teimosia ou birra.
E o que me dizem muitas vezes é:
“Tem aquele feitio… recusa tudo…”
Mas raramente é apenas isso.
Por trás do “não” pode estar:
O receio de perder a sua independência e controlo.
O medo de ser “depositado” num lugar desconhecido.
A associação do centro a fragilidade e velhice.
Ou simplesmente a manutenção de um traço de personalidade: se nunca gostou de grupos, é natural que rejeite a ideia de estar com muitas pessoas.
E quando já experimentou e não gostou, também podemos refletir sobre o tipo de abordagem que se utilizou.
É importante compreender que, na demência, a forma de processar a informação já não é a mesma. A pessoa pode não conseguir avaliar vantagens ou projetar benefícios futuros. O que fica é a sensação imediata: medo, desconforto, insegurança.
Aqui seguem 16 estratégias práticas, do estadio ligeiro ao moderado:
Importante: Todas estas estratégias podem funcionar, mas tudo depende do perfil que tem à sua frente e do estádio da demência. O que resulta numa família pode não resultar noutra - e está tudo bem.
1. Um convite formal em vez da insistência da família
Quando a pessoa ainda preserva bastante consciência, resulta muito bem receber um convite do próprio centro: escrito ou dito por um técnico, a pedir colaboração numa atividade específica.
Pode ser ensinar algo que fez ao longo da vida profissional, ajudar na horta, orientar um jogo ou participar numa atividade de música, dança ou teatro. Assim, a pessoa sente-se chamada a participar e não apenas “levada para lá”.
2. Encontre a “utilidade perdida”
Se sempre cozinhou, cuidou da casa ou contou histórias, apresente o centro como um sítio onde essa experiência faz falta.
Exemplo: “Pai, disseram-me que precisam de alguém que perceba de jardinagem como o senhor. Podia dar-lhes uma ajuda.”
3. Crie uma ponte com memórias positivas
Se participou em associações, clubes ou grupos no passado, use essa ligação:
“Lembra-se do grupo de teatro da paróquia? Lá também fazem coisas assim.”
4. Apele à curiosidade ou ao gosto pessoal
Pode ser música, leitura, jardinagem ou culinária.
“Hoje vão ter uma atividade de música que acho que vai gostar.”
5. Traga o centro para a rotina que já existe
Para quem tem hábitos bem enraizados, funciona integrá-lo:
“Vamos ao café e depois passamos lá pelo centro, que têm jornais e podemos tomar um chá.”
6. Apresente como um favor a terceiros
Muitas vezes, ajuda melhor quando sente que está a fazer falta a alguém:
“Mãe, a coordenadora pediu se podias fazer companhia à D. Maria, que anda mais em baixo. Queres ir só um bocadinho?"
7. Recorra a uma figura de referência
Se existe um médico, padre ou amigo em quem confia, pode ser essa pessoa a sugerir:
“O Dr. Silva disse que seria bom para si passar lá umas horas.”
8. Use a narrativa de pertença
Para quem rejeita por achar que “é para velhos”:
“Escolheram só algumas pessoas para esta atividade e lembraram-se logo de si.”
9. Diga o que também lhe facilita a vida
Alguns aceitam melhor quando percebem que isso ajuda a família:
“Enquanto está no centro, eu consigo tratar das compras descansada e depois, quando voltar, estamos os dois mais tranquilos.”
10. Prepare o Centro
Nem todos os profissionais têm formação em demência. Entregue uma ficha simples: quem é a pessoa, o que gosta, como reage quando está ansiosa. Isto pode evitar mal-entendidos e criar um acolhimento melhor.
11. Planeie uma adaptação gradual
Não é realista esperar que a pessoa aceite logo uma frequência de vários dias. O ideal é começar calmamente: primeiro uma manhã por semana, depois dois dias, depois só manhãs regulares e, com o tempo, passar a dias completos.
O objetivo é que o cérebro vá criando familiaridade com o espaço e com as pessoas, em vez de sentir que “de repente foi posto lá todos os dias”.
12. Use o período de adaptação a favor
As primeiras semanas são sempre as mais difíceis. Não desista ao primeiro “não quero ir mais”. Ajuste horários, pessoas de referência, atividades, mas mantenha consistência.
13. Respeite a história de vida
Se sempre foi reservado, talvez não tolere grandes grupos. Nestes casos, negocie idas curtas ou em espaços mais tranquilos ou outras alternativas, em casa, por exemplo.
14. Valide o medo do abandono
Muitas recusas escondem a sensação de estar a ser deixado para trás. Reforce sempre:
“Não é para deixar lá, vai lá fazer (x coisa) e depois voltamos para casa.”
15. Normalize a ida
Quando já existe alguma habituação, é útil apresentar como rotina:
“Depois do almoço vamos lá ao centro, tal como ontem. A D. (Y) já está à sua espera e perguntou por si”
16. Mude a narrativa da decisão
(para resistência marcada, em fase moderada)
Aqui já não adianta perguntar “quer ir?”.
A resposta será previsivelmente “não”.
Dê escolhas dentro da ida:
“Vamos de manhã ou de tarde?”
“Prefere levar o lanche de casa ou comer lá?”
Assim, a pessoa sente que continua a decidir, mesmo quando a decisão global já não está no seu alcance.
A resistência não vai desaparecer de um dia para o outro.
Mas pode transformar-se em aceitação se a pessoa sentir que vai para um lugar onde ainda tem utilidade (e as atividades realizadas no centro, importam!), onde é respeitada e onde continua a ser vista.
Espero que ajude.
Um abraço,
Filipa
Filipa da Fonseca Dias - Consultoria de Envelhecimento, Lda - Todas os direitos reservados.